Eu sei que sempre que contamos histórias dificilmente conseguimos retratar fielmente os detalhes do ocorrido, mas nesse caso sei que não esquecerei de nada...
Era uma madrugada um pouco fria de Sábado, por volta de 1990 e um garoto de 17 anos estava reunido com mais 3 amigos escutando música e contando “causos”, alguns dignos de incômodos calafrios.
Um dos amigos tinha trazido de casa para emprestar para esse garoto um disco duplo de Robert Johnson: King of the Delta Blues singers Vols.1 & 2.
Apesar de já ter escutado falar em Johnson por ter assistido quase 10 vezes o filme “A Encruzilhada”, não conhecia sua obra e sempre adiava a compra desses discos. Mas daquele dia não passaria. No local onde estavam não tinha toca discos e o álbum passou a madrugada inteira lá, quieto, um simples objeto imóvel, bem diferente das gravações ali contidas. Aquele silêncio de Robert Johnson incomodava o curioso garoto que passou a noite contando histórias, bebendo licor, jogando cartas e namorando aquela capa branca que não continha foto alguma de tal lenda do Blues.
Por volta das 6:00 o dia clareava e o sono chagava implacável. Era hora de ir para casa, dormir bastante e mais tarde escutar “Mr. Johnson”.
O garoto caminhou poucos metros até sua casa olhando aquela capa simples, até mesmo sem graça alguma, levando em conta que ali dentro supostamente tinha 29 das mais polêmicas, invejadas, lendárias e geniais composições do Blues do Delta do Mississipi.
Ao chegar rapidamente em casa, tomou um banho, colocou uma roupa qualquer para dormir, deitou-se, virou para um lado, sentou-se na cama e resolveu colocar o volume 1 para tocar na intenção de dormir escutando um bom blues. Grande engano do pobre garoto urbano que pouco sabia o que era um blues do campo e pré-guerra. Mudança de planos: por essa atitude ele ficaria mais algumas horas sem dormir.
O disco começa com Crossroads Blues, ele ameaça se deitar, resiste, deita, começa voz de Johnson ele tenta em vão fechar os olhos, mas não é ele que não quer, ele simplesmente não consegue. Nocauteado com o som que escuta, acende a luz rapidamente e começa a ler as notas da contra capa. Para de ler (tudo em inglês), não consegue prestar atenção em mais nada a não ser naquele velho Blues da década de 30. E de velho não tinha nada! Aquilo era muito novo, diferente e perturbador !
Após “Come on in my Kitchen”, ele se levanta, vai até a cozinha (qual o nome da música mesmo ??) e seu pai está fazendo café. Para quem tomou uns licores na madrugada era uma boa pedida. Pegou uma xícara e sentou-se na sala enquanto seu pai sai para buscar um jornal logo ali perto. Enquanto isso, tenta tomar coragem para voltar ao seu quarto e continuar escutando o disco, afinal, tinha tocado apenas 3 músicas !! Para tentar pensar em outra coisa aguarda um pouco e espera seu pai. O jornal chega, ele pega rapidamente para ler. Se ali continha alguma notícia muito importante ele nunca se lembrou. Poderia estar noticiando a morte de um chefe de Estado ou mesmo de uma lendária estrela de Hollywood, mas isso jamais seria lembrado ou simplesmente registrado em sua memória.
Alguns minutos depois volta para o quarto, toca o disco novamente e a partir daí só consegue se mover para trocar o lado e um pouco depois colocar o volume 2. Pronto ! Terminado tudo “aquilo”. Inquieto, dá algumas voltas pela casa sem saber o que fazer. Volta para o quarto e nem olha para o disco. Nem precisava, ele estava gravado em sua mente. Então um pensamento era inevitável: E o que causou essas gravações nos músicos e amantes do Blues em 1936 ? Como era Robert se apresentando nos lugares barra pesada daquela região ?
Bom, isso era assunto para outra hora. Finalmente o sono chega. Cinco horas depois ele já está acordado e coloca o disco de novo. Poucos dias depois compra o disco duplo com o pouco dinheiro que tinha. Começava ali uma busca pela história da música do Mississipi e de todo o Sul dos EUA. O Blues tinha agora outra cara, outra identidade, outro sentido. Não por causa de um violão e uma voz, mas por causa “daquele” violão e “daquela” voz ! Tudo isso somado as lendas de pacto com o “coisa ruim”, sua técnica superior a de seus ídolos, os relatos de sua audição absoluta e sua morte precoce envolvida de mistério, ciúme, inveja e bebida envenenada, combinações explosivas para marcar para sempre a obra de um gênio.
Relatei com riqueza de detalhes a história do “encontro” desse garoto com Robert Johnson, pelo simples motivo de eu ser aquele garoto e lembrar de cada minuto daquele início de manhã, assim como Sonny Boy, Johnny Shines e David “Honeyboy” Edwards lembram daquela noite em Agosto de 1938 quando Johnson caminhava para a morte. Mas isso é outra história que será contada em breve.
Marcus Mikhail – 04/08/2006
Era uma madrugada um pouco fria de Sábado, por volta de 1990 e um garoto de 17 anos estava reunido com mais 3 amigos escutando música e contando “causos”, alguns dignos de incômodos calafrios.
Um dos amigos tinha trazido de casa para emprestar para esse garoto um disco duplo de Robert Johnson: King of the Delta Blues singers Vols.1 & 2.
Apesar de já ter escutado falar em Johnson por ter assistido quase 10 vezes o filme “A Encruzilhada”, não conhecia sua obra e sempre adiava a compra desses discos. Mas daquele dia não passaria. No local onde estavam não tinha toca discos e o álbum passou a madrugada inteira lá, quieto, um simples objeto imóvel, bem diferente das gravações ali contidas. Aquele silêncio de Robert Johnson incomodava o curioso garoto que passou a noite contando histórias, bebendo licor, jogando cartas e namorando aquela capa branca que não continha foto alguma de tal lenda do Blues.
Por volta das 6:00 o dia clareava e o sono chagava implacável. Era hora de ir para casa, dormir bastante e mais tarde escutar “Mr. Johnson”.
O garoto caminhou poucos metros até sua casa olhando aquela capa simples, até mesmo sem graça alguma, levando em conta que ali dentro supostamente tinha 29 das mais polêmicas, invejadas, lendárias e geniais composições do Blues do Delta do Mississipi.
Ao chegar rapidamente em casa, tomou um banho, colocou uma roupa qualquer para dormir, deitou-se, virou para um lado, sentou-se na cama e resolveu colocar o volume 1 para tocar na intenção de dormir escutando um bom blues. Grande engano do pobre garoto urbano que pouco sabia o que era um blues do campo e pré-guerra. Mudança de planos: por essa atitude ele ficaria mais algumas horas sem dormir.
O disco começa com Crossroads Blues, ele ameaça se deitar, resiste, deita, começa voz de Johnson ele tenta em vão fechar os olhos, mas não é ele que não quer, ele simplesmente não consegue. Nocauteado com o som que escuta, acende a luz rapidamente e começa a ler as notas da contra capa. Para de ler (tudo em inglês), não consegue prestar atenção em mais nada a não ser naquele velho Blues da década de 30. E de velho não tinha nada! Aquilo era muito novo, diferente e perturbador !
Após “Come on in my Kitchen”, ele se levanta, vai até a cozinha (qual o nome da música mesmo ??) e seu pai está fazendo café. Para quem tomou uns licores na madrugada era uma boa pedida. Pegou uma xícara e sentou-se na sala enquanto seu pai sai para buscar um jornal logo ali perto. Enquanto isso, tenta tomar coragem para voltar ao seu quarto e continuar escutando o disco, afinal, tinha tocado apenas 3 músicas !! Para tentar pensar em outra coisa aguarda um pouco e espera seu pai. O jornal chega, ele pega rapidamente para ler. Se ali continha alguma notícia muito importante ele nunca se lembrou. Poderia estar noticiando a morte de um chefe de Estado ou mesmo de uma lendária estrela de Hollywood, mas isso jamais seria lembrado ou simplesmente registrado em sua memória.
Alguns minutos depois volta para o quarto, toca o disco novamente e a partir daí só consegue se mover para trocar o lado e um pouco depois colocar o volume 2. Pronto ! Terminado tudo “aquilo”. Inquieto, dá algumas voltas pela casa sem saber o que fazer. Volta para o quarto e nem olha para o disco. Nem precisava, ele estava gravado em sua mente. Então um pensamento era inevitável: E o que causou essas gravações nos músicos e amantes do Blues em 1936 ? Como era Robert se apresentando nos lugares barra pesada daquela região ?
Bom, isso era assunto para outra hora. Finalmente o sono chega. Cinco horas depois ele já está acordado e coloca o disco de novo. Poucos dias depois compra o disco duplo com o pouco dinheiro que tinha. Começava ali uma busca pela história da música do Mississipi e de todo o Sul dos EUA. O Blues tinha agora outra cara, outra identidade, outro sentido. Não por causa de um violão e uma voz, mas por causa “daquele” violão e “daquela” voz ! Tudo isso somado as lendas de pacto com o “coisa ruim”, sua técnica superior a de seus ídolos, os relatos de sua audição absoluta e sua morte precoce envolvida de mistério, ciúme, inveja e bebida envenenada, combinações explosivas para marcar para sempre a obra de um gênio.
Relatei com riqueza de detalhes a história do “encontro” desse garoto com Robert Johnson, pelo simples motivo de eu ser aquele garoto e lembrar de cada minuto daquele início de manhã, assim como Sonny Boy, Johnny Shines e David “Honeyboy” Edwards lembram daquela noite em Agosto de 1938 quando Johnson caminhava para a morte. Mas isso é outra história que será contada em breve.
Marcus Mikhail – 04/08/2006
Mais sobre Johnson: http://www.deltahaze.com/johnson/index.htm
6 comentários:
ótimo texto Mikhail...
Parabens pela iniciativa, vou colocar o seu ink na Blues Town e Devils Music..
Abraçao
obrigado pela força estarei incluindo seus links tbm !!
abraços !
Gracias por este blog!!
Abraços!!
Maravilha Paulo estarei de olhe no comentário do Honeyboy Edwards..
Abraço
ótimo texto............
parabens!!!!!
abraço
Sensacional! Que história legal cara!rs
Abraço!
Mac
Postar um comentário